“Que outra cidade levantada sobre o mar, à beira rio acabou por se elevar, entre dois braços de água, um de sal outro de nada, água doce, água salgada, águas que abraçam Lisboa…”
Nas palavras do Madredeus uma síntese de Lisboa, a Olisipo dos romanos, cidade de muita História em suas colinas, e que é um daqueles lugares no mundo em que me sinto mais em casa, como se fosse a casa materna. Desculpe se o que vem a seguir parece passional, mas não tenho outra maneira de descrever esta cidade, à qual volto há mais de trinta anos, sempre que tenho o privilégio.
Não espere aqui a Lisboa descolada, ou um roteiro de compras, bares e museus, este é um simples passeio pelos lugares do coração, escrito originalmente como roteiro para uma amiga que visitaria a cidade pela primeira vez.
A história de Lisboa pode ser dividida em antes e depois do terremoto que a destruiu em 1755, terremoto que, combinado ao incêndio e ao maremoto que se seguiram, arrasou grande parte da cidade e matou 15.000 dos 250.000 habitantes da época. Da Lisboa medieval sobrou pouca coisa.
Logo em seguida a este cataclismo o Rei encarregou o Marques de Pombal de reconstruir a cidade. E aí começa o nosso passeio.
No centro antigo, está a Praça do Comércio, ponto central de uma nova urbanização criada por Pombal. Aqui, além do magnífico arco ornamentado que marca o ponto principal da praça há as arcadas e os prédios ao redor, que foram os primeiros edifícios construídos na Europa com tecnologia contra os efeitos de terremotos. Nesta praça recomendo o Café e Restaurante Martinho da Arcada, um dos locais prediletos de Fernando Pessoa, cuja mesa é ali mantida, junto com objetos pessoais do poeta. Se fores, leves meu abraço ao Alfonso, grande figura. Atrás dos Arcos há diversas ruas, cada uma com o nome de um ofício.
Mas continuamos subindo Alfama acima, até o magnífico Castelo de São Jorge, cuja fundação remonta aos mouros e que abriga vestígios da Medina original e ruínas ainda mais antigas datadas da Idade do Ferro. Resumindo, aqui nasceu Lisboa, aqui nasceu Portugal, antes dos romanos, antes dos Mouros, antes dos portugueses. O motivo estratégico para a escolha deste lugar para a fundação da cidade pode ser observado ainda hoje. Daqui se tem a melhor vista de Lisboa, de um lado o Tejo, à frente a Baixa Pombalina( centro histórico) e o Carmo , atrás os telhados da Mouraria, cantada por Amália Rodrigues e Teresa Salgueiro, entre outras. Se fores ao anoitecer, vais entender por que os lisboetas chamam o Tejo de Mar de Palha…
Descendo do Castelo, há alguns bons restaurantes na Rua dos Bacalhoeiros, recomendamos o Fernando, logo na esquina com a pracinha. Simples, mas verdadeiramente “local”, turista não entra…
De volta ao rés do chão, um dos lugares mais importantes de Lisboa é a Praça do Rossio, onde a estátua de D. Pedro IV (o nosso D. Pedro I) domina o lugar. À esquerda está o Café Nicola, do século XVIII, freqüentado entre outros por Bocage. Ao fundo o Teatro Nacional e à esquerda do Teatro a Estação do Rossio. Ali perto tem um boteco que é tradicional fornecedor de Ginginha, licor tradicional dos bebuns alfacinhas.
Partindo do conjunto da Praça do Comércio e andando uns 200m pela Rua Augusta (a que passa embaixo do Arco), à esquerda vais ver o Elevador de Santa Justa, estrutura em ferro projetada por um colaborador de Gustave Eiffel, Raoul Du Ponsard, e que funciona ainda hoje levando o povo da Baixa ao Bairro do Chiado, Largo do Carmo e Bairro Alto. Melhor, porém é subir a pé, pela Rua Garret, vendo as lojas antigas e elegantes da Belle Epoque lisboeta, misturadas com lojas de design, livrarias (a Bertrand é a melhor). Aos sábados há uma feira de alfarrabistas, que é o nome que se dá aos vendedores de livros antigos. Parada obrigatória para um café e pastéis de nata na A Brasileira, foto na estátua de Fernando Pessoa e uma esticadinha até a Praça Camões, onde se embarca no inesquecível 28, o mais tradicional dos bondinhos de Lisboa. Passeio absolutamente obrigatório, recomendamos fazê-lo à tarde, desembarcando num dos miradouros da Alfama para ver o por do Sol. O trajeto do bonde não é circular, e termina no Centro antigo.
Ainda partindo do Centro, vale a pena subir a Avenida da Liberdade, que é um boulevard com quiosques e bons restaurantes, e que termina na Praça Marques de Pombal. Nesta Praça, a Avenida se transforma no Parque Eduardo VII, sugiro caminhar até o final do parque, pela vista que se tem do Centro antigo e do Tejo.
Se calhar, como dizem lá, estique até o Parque e Museu da Fundação Kalouste Gulbenkian, a mais ou menos 1,5 Km do parque. Coleções de arte, arquitetura moderna de primeira e uma amostra do que o dinheiro, bom gosto e gratidão podem fazer a uma cidade.
Situada a poucos quilômetros do centro de Lisboa e à margem do Tejo está Belém, chamada de Restelo no Século XVI e de onde partiram Vasco da Gama, Cabral e todas as esquadras da Era dos Descobrimentos, esta é a “Ocidental praia lusitana” da qual nos fala Camões no Canto Primeiro dos Lusíadas.
Em Belém estão dois monumentos imperdíveis, o Mosteiro dos Jerônimos, mandado construir por D. Manuel I, em ação de graças pela descoberta do Caminho das Índias, e o símbolo de Portugal, a Torre de Belém.
Aproveite também para visitar o Monumento aos Descobrimentos, erigido por Salazar no local de onde partiam as frotas no Século XVI. Em frente há uma Rosa dos Ventos, presente da África do Sul em comemoração ao descobrimento do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias.
No mosteiro é imprescindível visitar o Claustro, talvez o mais bonito trabalho em cantaria já produzido, e a igreja,onde estão os túmulos de Camões, Vasco da Gama e Fernando Pessoa. Faz parte deste complexo o Museu de Marinha, fundamental para quem quer entender Portugal e a alma de sua gente.
Para almoçar, siga os trilhos do elétrico por uns 200 m, após o Centro Cultural, e aproveite o maravilhoso cardápio, o ambiente e a simpatia da dona e dos garçons do restaurante Descobre. Para ir e voltar de Belém a melhor opção é o elétrico ( trem urbano), a viagem dura uns 25 minutos. Um bom local para embarcar e desembarcar em Lisboa é a Praça do Comércio, há um ponto bem em frente ao Arco. Pegue o elétrico 19, o bilhete se compra a bordo, na maquininha.
Outro passeio obrigatório é a Sintra, que fica pertinho de Lisboa. É uma cidade histórica, onde a corte mantinha diversos palácios e mansões, Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO. Para ir, a melhor opção é o comboio (trem) que sai da Estação do Rossio, na ponta da Praça do mesmo nome, aliás, a fachada da estação é em forma de arco e iluminada à noite é muito bonita.
O ideal é ir pela manhã. Chegando a Sintra, compre um bilhete no ônibus circular, que passa pelos três palácios, Palácio Nacional, Palácio da Pena e Castelo dos Mouros. Dos dois últimos em dias claros é possível ver o mar, pois a cidade fica sobre uma serra. Com o ticket circular, você pode parar onde quiser e reembarcar no ônibus. Almoço no centrinho (o Tacho Real é ótimo, mas fecha numa semana do verão,tem que conferir) e a sobremesa tem que ser na Periquita, pastelaria (que é como se chamam as docerias em Portugal) que servia o último Rei de Portugal , Dom Carlos, que aliás foi quem deu o apelido à fundadora. Até hoje é da mesma família e faz os melhores travesseiros e queijadas do planeta .
A volta a Lisboa pode ser de ônibus, pegue o 434, circular via Cascais, é um ônibus urbano que faz o trajeto até esta antiga vila pesqueira quase na foz do Tejo. Lugar de casinhas com eira e beira, mansões portentosas, um Forte no meio da cidade, uma grande marina e um comovente Museu de Pesca. Saindo um pouquinho da cidade pela orla (dá pra ir a pé) Há a Boca do Inferno, impressionante formação à beira da falésia, que é citada no livro do Jô Soares, As Esganadas.
Se calhar, podes visitar Estoril, que fica a metros de Cascais, dá pra ir andando. Para voltar a Lisboa, pegue o trem na estação de Cascais, o ponto final é no Cais do Sodré, próximo ao Mercado Público, na ribeira do Tejo. Sente no lado direito do vagão, a vista é mais bonita.
Desculpe se me alonguei, mas eu avisei que sobre Lisboa sou passional. Tudo o que citei acima é pouco, pois somente o estar lá, conversar com as pessoas nesta estranha e querida língua (já dizia Pessoa, ”minha pátria é a língua portuguesa”), é que pode completar esta experiência. Há muito mais para ver, sentir e descobrir, guardar para sempre e querer voltar, esta é a verdadeira viagem.
Uma excelente e abençoada viagem e leve o nosso abraço e saudade a esta maravilhosa e querida cidade…